terça-feira, 24 de agosto de 2010

AQUELA NOITE:

Tenho necessidade de vez em quando, escrever qualquer coisa sobre peripécias vividas, nestas férias que a morte vai proporcionando a cada um de nós.
Porque ao lembrar-me dos amigos que por aqui vão passando, acho que devem poder desfrutar de uma historieta nova.
Quando um destes dias numa conversa entre camaradas Fuzileiros, tomava corpo a ideia, de que, quando se contam as histórias vividas há tantas dezenas de anos, que a sua veracidade, é envolvida por muita ficção.
Ora bem: não tem forçosamente que assim ser, porque todos, vivemos episódios, que temos bem marcados na nossa memória, que não precisam de retoques para lhes dar mais ou menos credibilidade.
Quando se é jovem, pode ao mesmo tempo ser-se imaturo e ingénuo, porque estas duas realidades são fruto da mesma árvore, apenas com sabores diferenciados.
Proponho-me, e é uma tentativa apenas, dar aos meus amigos a hipótese de viverem uma situação, em que vos gostaria de envolver, de tal forma, que vos leve a sentirem-se parte do meu grupo de combate.
Certo dia, foi o meu Destacamento incumbido, desenvolver uma operação numa região, onde havia um aquartelamento IN.
As densas matas da região dos Dembos era o cenário, e o tema era provocar-lhe as devidas inconveniências: destruir-lhes a logística, persegui-los, e anular tudo quanto nos fosse possível.
O meu grupo, (cinco homens) o primeiro a chegar à zona, é feita de Aloete III. Foi sempre para mim, um transporte muito simpático, e dele tenho boas recordações porque foi através da sua disponibilidade, que no inicio da comissão, na segunda operação, fui recuperado, depois de ter sido atingido no membro esquerdo da minha locomoção. Também agora, não era muito longe do local, aquele em que se desenvolvia mais esta tentativa de os desmotivar dos seus objectivos.
Depois de todo o dia em progressão cautelosa, porque a qualquer momento se espera a chegada das inconvenientes boas vindas, o que não deixou mais uma vez de acontecer, é feito o alto definitivo para pernoitar.
Desenvolviam-se as tarefas que se impunham para que aquele merecido descanso não fosse perturbado, por falta de se tomarem as respectivas cautelas envolventes, quando se ouve como primeiro alerta uns galináceos, seguido de vozes, que por serem pronunciadas em dialecto indigna, nos deixou na mesma, apenas a curiosidade aumentou e a adrenalina subiu ligeiramente. Que estávamos perto do acampamento, era a uma certeza trazida pelos bicos que não era fácil disfarçar. Quase existia um convívio pacífico, entre grupos de pessoas que se digladiavam, não fora a guerra assumida pelas partes, e até era possível, se naquele momento houvesse a hipótese de um compromisso entre beligerantes, do fim das hostilidades.
A juventude era no tempo, um potencial enorme de disponibilidade, de entrega e de disciplina, e foi esta última que fez a diferença na atitude, com que o meu grupo se propunha levar por diante. Foi proposto encetar uma aproximação à zona de onde se tinham ouvido as vozes daqueles inquilinos. O Cte. quase foi convencido, quando já sem as botas para uma deslocação mais silenciosa, lhe sugeria a ideia: avançar com a minha equipa até aos limites que se me afigurassem convenientes, para que de manhã pudéssemos utilizar o factor surpresa com vantagens acrescidas.
Algumas vezes na vida militar me apeteceu contrariar a disciplina, e esta foi uma delas.
Iniciada a progressão do dia seguinte, já com a detonação pelas duas da manhã, da armadilha, que estava colocada no sentido da picada que nos levava ao acampamento, e que a curiosidade de um gato enorme a fez rebentar, serviu milagrosamente os guerrilheiros, denunciando-nos, o que não tinha acontecido como provara os sons emitidos pelas vozes denunciadoras do dia anterior das "diferentes" aves.
No calcorrear da picada, as flagelações foram acontecendo, sem alternativas, que nos proporcionassem, um braço de ferro, e que nos levassem a colocar em prática o que treinámos, mas a que guerrilha se não predispunha, connosco, sim! Porque algumas vezes assim se comportou com os camaradas do exército, dando luta.
Passados mais de quarenta anos, desse episódio, tenho pena que não tivesse havido consentimento, para o colocar em prática, porque os resultados seriam certamente diferentes. Ao mesmo tempo, hoje, mais consciente, ao visualizar mentalmente toda a situação, os cabelos se me coloquem em pé “de guerra” e não por mais virilidade!...

UMA HISTÓRIA SEM FICÇÃO
QUE HOJE ME TRANSPORTOU
PARA ÉPOCA DE MUITA ACÇÃO
ONDE SE MORREU E MATOU

LEMBRAR COM ESTA NARRAÇÃO
EPISÓDIO POR MIM VIVIDO
SEM MÁGOA NO CORAÇÃO
MESMO NÃO TENDO CONSEGUIDO

A GUERRA NEM TODOS POUPOU
MAS O VIVO AINDA É PERSEGUIDO
SEM SABER PORQUE MATOU
SENTE-SE COMO TENHA MORRIDO

UM ABRAÇO PARA QUEM ME LEU
DESTE AMIGO QUE NÃO MORREU

Mário Manso