sábado, 22 de março de 2008

UNS VERSOS PARA OS AMIGOS


Também tinha idade de escola
Quando me alistei na Armada
Sonhava disparar uma pistola
Ou fazer deflagrar uma granada

Se eu voltasse a ser jovem
Ia para Fuzileiro voluntário
Pelas razões que me movem
Companheiros de itinerário

Somos uma família de verdade
Sempre prontos a dizer presente
Filhos da Escola são irmandade
Porque a amizade é consistente

Os Fuzileiros têm uma história
Que faz inveja a muita gente
Ficou marcada na memória
Pelo orgulho que se sente

Era antes do sol nascer
Que desembarcávamos na luta
Tiros e palavrões iam aparecer
E a morte dizia, filhos da puta

Os fuzileiros foram sempre
Um grupo muito coeso
Fosse avante ou a ré
Cada qual o mais teso
Remando contra a maré

Foi nos rios da Guiné
De Angola e Moçambique
Que se mostrou como é
No tarrafo ou na bolanha
Sem utilizarmos a manha
Mesmo morrendo de pé

A guerra só é defendida
Por quem a não vai fazer
Porque não herda a sua ferida
E só lucro lhe vai trazer
Julgam-se para toda a vida
Mas também terão de morrer

NÃO ESQUECER NA ÉPOCA DOCE
MUITAS AGRURAS DE OUTRORA
É PORQUE ALGO APOQUENTA
QUE NÃO CONSIGO PÔR FORA
PORQUE A GUERRA É NOJENTA

UM DOCE ABRAÇO DESTE AMIGO

domingo, 16 de março de 2008

HOJE ARREPIO-ME


Desembarcar em situações complicadas, foi uma constante no dia a dia dos Fuzileiros durante a guerra em que participaram nas três províncias ultramarinas. Também, as deslocações nos rios montados nos seus Jaguares, (os botes) se transformava numa navegação de alto risco, a que sempre se dispuseram. Houve no entanto, situações, em que se aproveitou os meios que eram utilizados pelos guerrilheiros, (os fiat 600) ou seja, as canoas, ou pirogas como eram conhecidas. Eram lentas, mas podiam navegar em apenas três palmos de água, não faziam barulho, e o factor surpresa podia ser mais efectivo. Esta situação, de bote, só era conseguida, quando de noite se fazia parte da patrulha à deriva, porque o inimigo, considerava nunca ser surpreendido, porque o barulho dos motores nos atraiçoava.

Quando da minha segunda comissão de serviço, uma das coisas que me galvanizava, era o puder melhorar o domínio da técnica, para manobrar adequadamente aquele tronco escavado. Havia várias unidades, que no tempo foram apreendidas ao longo dos rios, lagos, e lagoas aos guerrilheiros. Logo que chegamos a Stº. António do Zaire, sempre que era possível mobilizava uns quantos camaradas com mais ou menos a minha idade, que me transmitiam alguma disponibilidade e confiança, para formar as respectivas tripulações. O número dependia sempre, do tamanho da respectiva. Normalmente, três elementos eram a tripulação ideal. Paulatinamente, fui conseguindo estimular os camaradas para o prazer que era, o andar de canoa sem ir ao charco e ainda, poder-mos vir a utilizá-las na caça aos guerrilheiros.
Certo dia, assim aconteceu no Lué Grande um dos afluentes do Rio Zaire. Foi aí, o palco onde os mais artistas mostraram quanto o treino adquirido tinha valido a pena. Tinha já rompido a aurora, e a esquadra composta por cinco canoas largava da foz daquele pequeno rio, para um destino previamente determinado. Mas havia uma grande incerteza será, que vamos conseguir atingir o objectivo sem problemas de maior! porque tudo dependia de factores que não dominávamos. Iríamos ter emboscadas? Conseguiríamos ultrapassar os rápidos que o rio tinha? Iria acontecer algum acidente com os elementos das tripulações? Tudo eram fortes possibilidades. Mas os Fuzileiros estavam treinados, e habituaram-se desde muito cedo a lidar constantemente com incertezas, e a guerra, comporta sempre muitas dúvidas à sua volta, e no caso, elas existiam e eram perceptíveis.
Para percorrer umas poucas milhas náuticas foi de facto, uma odisseia, e pelas quatro da tarde o Comandante resolveu atracar à margem para ai se pernoitar, porque era impossível a partir dali a navegação. Estava atingido o primeiro objectivo.
Consumidos os primeiros minutos daquela abençoada paragem, fui de imediato abordado pelo chefe (Comandante) que me diz, Manso, recebi uma mensagem da L.F. (Lancha de fiscalização) que se encontra fundeada na foz, de que, há correspondência para o pessoal, eu, como todos os outros camaradas estávamos um bocado estafados mas, pensei para comigo, será que não está por lá carta para mim! E disse para com os meus botões, se me convidar, e houver quem vá comigo vou lá.
Claro está, que o Cte. não me deu nenhuma ordem nesse sentido,(seia pouco rasoavel que o fizesse) mas, de alguma forma, me estava a sugerir que entrasse naquela, que foi uma grande aventura. O voluntarismo da juventude é generoso, e muitas vezes, encerra mesmo uma grande nobreza. Meia hora depois, estava a equipa formada pelo Mário Manso e pelo camarada, que no grupo mais garantias me dava o AMIGO José Augusto. O dueto estava pronto a zarpar, os motores estavam ainda quentes e prontos a responder a mais uma dura exigência. Era a canoa mais ligeira e mais rápida das cinco. Tripulação, dois elementos, armamento, duas g3, quatro carregadores, e quatro granadas. E eis que a vedeta ligeira larga a caminho do ponto de partida dessa manhã. Foi impressionante a velocidade que conseguimos imprimir àquele tronco aerodinâmico, tínhamos que aproveitar bem a velocidade que a corrente nos proporcionava, não podíamos perder tempo, porque o regresso ia ser ainda mais penoso, e o auto estrada não tinha iluminação, nem luar havia, e a reserva das forças estariam nos limites aquando do retorno. Decorria a progressão havia já algum tempo no sentido da foz quando subitamente, de estibordo, um enorme crocodilo se lança à água, e, é por muito pouco que não abalroa a veloz embarcação, e não obriga a um banho forçado àqueles dois disponíveis que eram afinal, a alma da sua força motriz, e que naquele momento se deslocavam junto à margem direita. Foi o único grande sobressalto daquela mítica viagem. Outros houve, mas sem que a adrenalina subisse tão alto.
A abordagem à lancha foi feita por estibordo, e toda a tripulação nos esperava no convés a dar-nos as boas vindas e com o material já pronto, dentro de um saco. Depois de Recebido o testemunho, foi metido algum combustível (duas Nocais) oferecidas pelo pessoal, que nos matou a sede e nos animou para o regresso. Aqueles dois voluntariosos Fuzos que se tinham disponibilizado fazer aquele trajecto em situação tão desfavorável, estavam com a moral em alta, era visível nos rostos da tripulação, a estupefacção com que nos admiravam, alguns diziam mesmo, vocês são fantásticos. Parecendo que não, mas deu-nos uma alma nova e um adicional especial de força, para de novo enfrentar as dificuldades da subida agora, contra a corrente.

A confiança que havia entre os dois camaradas, era muito grande, e não foi por acaso, que eu escolhi o meu amigo José Augusto para tal proeza, eu sabia com quem contava e tinha a certeza que não me dava a nega, estava ali um homem, com muita resistência e que dos meus alunos, era um dos melhores em equilibrio e na arte de manobrar a canoa. Passados mais de 40 anos, continuamos a ser amigos do peito. É assim, num espírito de mútua confiança, que encetamos o regresso, foi necessário fazer um apelo às nossas forças para que o nosso orgulho não saísse beliscado. O peso da responsabilidade era agora maior, porque a carga a bordo, era de um valor muito grande, eram muitos beijos, abraços, saudades, boas ou más notícias, e certamente desejos muito bons. Foi conseguido, e o objectivo atingido.
Ao chegarmos junto dos camaradas, era notório, a ansiedade e admiração com que nos esperavam, no tempo, a ingratidão não existia. Lembro, que para os dois tripulantes, não houve notícias Seguiu-se uma santa noite, dormimos sem sobressaltos, o inimigo não chateou, fomos dispensados do serviço como compensação. No dia seguinte, como o rio já não era navegável pelas irregularidades do seu leito, continuámos a pé na procura de trilhos que indiciassem guerrilheiros, e que nos levassem a algum acampamento. Neste momento tenho os pelos, em pé de guerra, estou arrepiado, será da idade? É de facto, um desperdício de energia que tanta falta faz, coisa que naquele tempo abundava, e que hoje algum jeito dava.
Um meu abraço para o grande amigo José Augusto, e para todos quantos participaram naquela peculiar missão, com capitaneio do comandante Rui Francisco Corte Real Negrão.